As bênçãos do salmo 103
E um pouco da teologia davídica nos salmos
O salmo 103 foi composto por Davi. Spurgeon considera que Davi o escreveu mais para o final da vida, na sua fase mais madura (e eu concordo com ele). O salmo começa com Davi exortando a si mesmo a louvar ao Senhor por todas as suas bençãos, indo na contramão dos que dizem que devemos louvar ao Senhor por quem ele é e não pelo que ele faz. Na verdade, devemos louvá-lo por ambas as coisas.
Na sequência do salmo, Davi relaciona as bençãos de Deus pelas quais a sua alma e todo o seu ser devem louvá-lo. O ponto que merece destaque é que Davi louva o Senhor, neste salmo, por bênçãos que o Senhor faz. Note que ele conjuga o verbo no tempo presente. Não se tratam apenas de bênçãos que o Senhor tenha feito no passado ou que ele fará no futuro, mas de bênçãos que o Senhor realiza, de maneira continuada, na vida de Davi.
Outro ponto importante, Davi, falando com sigo mesmo, fala de bençãos que o Senhor concede a ele, em especial, e não às pessoas em geral. Note que ele usa pronomes na primeira pessoa, no singular. Se por um lado, algum néscio possa usar este fato como argumento para dizer que estas são bênçãos de Davi e não nossa, eu prefiro ressaltar a ousadia de Davi em apropriar-se para si de tão ricas bênçãos.
Com que autoridade ele faz afirmações tão categóricas sobre o que Deus faz por ele? Em primeiro lugar, obviamente, é com base na inspiração do Espírito Santo, que ele conhecia melhor e mais plenamente do que podemos imaginar, tanto que suas últimas palavras foram que o Espírito Santo falou por seu intermédio. Em segundo lugar, ele proferiu essas palavras ousadas com base na sua experiência.
O Senhor já fizera essas coisas por ele tantas vezes, desde a sua juventude, e mesmo sem ele merecer, que ele não tem motivos para duvidar que o Senhor continuará fazendo. Pelo contrário, ele exorta a si mesmo a adorar ao Senhor por esse fato. De certa forma, a fé de Davi descansa na fidelidade de Deus. A esta altura da vida, ele sabe muito bem o que esperar do Senhor.
Neste sermão, vamos abordar cada uma dessas bênçãos em que Davi crê e afirma.
1.
Em primeiro lugar, Davi diz para sua alma bendizer o Senhor porque ele perdoa todos os seus pecados. Não um, não dois, mas todos. Não apenas os mais leves, mas também os mais graves. A esta altura, ele não deveria estar nem vivo, porque tinha cometido um pecado gravíssimo, condenável à morte, segundo o seu próprio padrão de Justiça. No salmo 51 ele registra da sua oração de arrependimento, para que todos a ouçam.
O Senhor o perdoou desse grave pecado e de muitos outros que ele cometeu ao longo da vida [não são poucos os salmos que registram Davi pedindo perdão a Deus por seus pecados], logo ele não tinha porque duvidar da misericórdia de Deus. Davi é o homem viveu a graça de Deus em sua plenitude.
Um dos pilares da teologia paulina da justificação é o seguinte texto davídico: “Como são felizes aqueles que têm suas transgressões perdoadas, cujos pecados são apagados! Como é feliz aquele a quem o Senhor não atribui culpa!”
2.
Em segundo lugar, Davi exorta todo o seu ser a adorar o Senhor porque ele cura todas as suas enfermidades. Deus cura não uma, não duas, mas todas as suas doenças. Esta afirmação é confirmada por muitos salmos escritos por Davi, em momentos de enfermidades.
No salmo 6, nos deparamos com ele passando por uma enfermidade grave, que resultará em morte se o Senhor não o socorrer. “Misericórdia, Senhor, pois vou desfalecendo! Cura-me, Senhor”, clama ele. Este mesmo Davi, no salmo 30, agradece ao Senhor pela resposta à sua oração. “Senhor meu Deus, a ti clamei por socorro, e tu me curaste. Senhor, tiraste-me da sepultura; prestes a descer à cova, devolveste-me à vida.”
No salmo 38 o encontramos com o corpo ardendo em febre, sentindo-se muito fraco. No salmo 41, o encontramos acamado, sofrendo com o que parece ser uma praga. “Misericórdia, Senhor, cura-me, pois pequei contra ti”, clama ele. Ele não hesita em atribuir essa doença ao seu pecado, pelo qual ele pede perdão a Deus. Este não é o único salmo em que ele associa a doença ao pecado, por isso não é de espantar que ele use aqui “perdoa todos os seus pecados” junto com “cura todas as suas doenças”.
3.
Em terceiro lugar, Davi instrui a sua alma a louvar ao Senhor porque ele resgata a sua vida da sepultura [poço de corrupção]. Conforme vimos até aqui, por mais de uma vez Davi esteve à beira da morte e foi resgatado por Deus. Ele pediu e recebeu de Deus uma vida longa e duradoura, mas morreu de velhice como qualquer pessoa.
Nós podemos julgar que a ressurreição é promessa do Novo Testamento, mas ela está bem presente no Antigo Testamento, sendo bem conhecida dos grandes homens de Deus, de Jó a Davi. No salmo 16, Davi escreve: “O meu corpo repousará tranquilo, porque tu não me abandonarás no sepulcro, nem permitirás que o teu santo sofra decomposição. Tu me farás conhecer a vereda da vida, a alegria plena da tua presença, eterno prazer à tua direita.”
Ele estava falando aqui de Jesus, conforme a pregação do apóstolo Pedro. Contudo, não devemos duvidar de que ele própria cria que também não seria abandonado no sepulcro. “Ele resgata a sua vida da sepultura” é uma afirmação categórica a respeito da sua esperança da vida eterna. Um dia o Senhor o resgatará da sepultura e ele ressuscitará, assim como a todos os que morreram em Cristo Jesus.
4.
Em quarto lugar, Davi exorta a sua alma a bendizer ao Senhor, porque ele o coroa [adorna] de bondade e compaixão. Não nos esqueçamos de que Davi era rei e usava uma coroa de fato sobre a cabeça, uma coroa de ouro puro, representando toda a sua majestade, contudo não é por esta coroa que ele agradece.
Aquela coroa de ouro era para ele apenas um símbolo do verdadeiro ornamento sobre a sua cabeça, a saber, a bondade e compaixão da parte do Senhor, que escolheu o menor dos filhos de Jessé, um esquecido pastor de ovelhas, para pastorear o rebanho de Israel. Ou seja, a coroa de ouro foi consequência da coroa de compaixão.
Não a toa, a misericórdia, a graça e a bondade de Deus permeiam a maioria dos salmos composto por Davi. Seus cânticos são uma ode ao amor incomparável do Senhor. No salmo 23, por exemplo, ele diz: “Sei que a bondade e a fidelidade me acompanharão todos os dias da minha vida, e voltarei à casa do Senhor enquanto eu viver.” Não apenas um, não dois, mas todos os dias da sua vida.
5.
Em quinto lugar, Davi exorta o seu ser a adorar ao Senhor porque ele enche de bens a sua existência [ou: farta (sacia) sua boca de bens]. Davi nunca foi um homem em busca de bênçãos materiais, mas ele as recebeu em profusão da parte de Deus… e não hesitou em orar por bênçãos materiais quando necessário. Veja no salmo 144, por exemplo.
Davi é um homem satisfeito com a sua porção. No salmo 16 ele declara: “As divisas caíram para mim em lugares agradáveis: Tenho uma bela herança!” No salmo 131 vemos que a sua alma está sossegada como um bebê que acabou de mamar, que se aquieta nos braços da sua mãe. Ele diz que nunca andou a procura de grandes coisas, nem de coisas maravilhosas demais para ele… E, no entanto, foi exatamente isso que ele recebeu da parte do Senhor.
Davi tem uma relação saudável com as riquezas. No salmo 62, ele nos aconselha com propriedade: “Se as suas riquezas aumentarem, não ponham nela o coração.” Mesmo sendo ricamente abençoado, ele declara com sinceridade e devoção: não tenho bem nenhum além de Deus! Eu sou pobre e necessitado, mas o Senhor cuida de mim.
É de Davi aquele salmo maravilhoso:
Fui moço e agora sou velho, porém jamais vi o justo desamparado, nem a sua descendência mendigar o pão.
Gostaria de recomendar meu livro, um romance emocionante e divertido com pano de fundo cristão, que aborda questões como relacionamento pais e filhos, primeiro amor e segundas chances.